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Há anos ocorrem ricos diálogos sobre Civilização Humana e Filosofia, Teologia, História e Cultura em geral! Tudo que possa interessar a alguém que espera da vida um pouco mais que outra temporada de BBB! Após diversos convites a tornar públicos estes diálogos, está feito! Quem busca uma boa fonte de leitura, por favor, NÃO VISITE este site. O que esperamos, de fato, é a franca participação de todos, pois não se chama “Outros Discursos”.

quarta-feira, 22 de fevereiro de 2012

Quem é meu inimigo?


            Nesta manhã (16/02/2012), enquanto levava meu filho para a escola, observei um sujeito um tanto apressado entrar na contramão em local totalmente impróprio para isto (estávamos frente a um cruzamento) e postar-se em minha frente, sobre a faixa de pedestres, apenas para poder arrancar primeiro tão logo o semáforo ficasse verde. Meu civilizadíssimo instinto de motorista levou-me instantaneamente a um pensamento que não é raro neste tipo de situação e em tantas outras que ocorrem quando um desses “malandros” da vida usa de sua aguçada esperteza: fiquei dividido entre o desejo de possuir uma arma para alvejar sua roda traseira ou que o simples acaso punisse seu desacato às leis de trânsito com um pequeno acidente (eu nunca disse que era perfeito). Deste momento de profunda maldade algo diferente me ocorreu. Hoje, amei aquele sujeito e fiz uma breve prece pela sua felicidade, sem que isto fosse vinculado ao seu aprendizado ou amadurecimento. Ou seja, orei para que ele fosse feliz, independente de que viesse a perceber ou corrigir sua postura irregular.
            Depois desta experiência, segui o caminho para a escola e depois para casa repassando, em minha mente, a lista dos meus inimigos. Existe uma máxima, proposta por Jesus, O Nazareno, que nos convida a amar nossos inimigos. Isto ia de encontro ao ¹ paradigma judeu vigente, “Olho por olho, dente por dente”. Esta nova proposta trazida por Jesus ao seu povo remonta a uma doutrina mais antiga, pois Sidarta Gautama (Shakyamuni), o Primeiro Buda Histórico, aproximadamente 500 anos antes da Era Cristã já havia chocado seus contemporâneos com o mesmo convite. Este convite se torna complexo em nosso tempo, independente de sermos cristãos ou budistas, pois fica a questão, “Quem é meu inimigo?”. Não estamos sob o controle espiritual dos brâmanes tampouco sob o julgo do Império Romano. Não temos exércitos com catapultas frente às muralhas de nossa cidade tampouco há um membro do clã rival frente ao nosso portão aguardando-nos com espada desembainhada. Quem é meu inimigo?
            A resposta a esta questão está no exercício espiritual que vivenciei nesta manhã e que devemos refazer a cada instante do nosso cotidiano. Hoje, meu inimigo foi um anônimo que “furou a fila” dos carros. Semana passada foi outro anônimo que entrou em minha frente sem dar seta. Meu inimigo pode estar, inclusive, na sutil presença de um colega de trabalho que eventualmente recebe o reconhecimento de uma tarefa exercida por mim. Meu inimigo pode ser aquele grande amigo que esqueceu do meu aniversário, um pai alcoólatra, uma mãe opressora, um professor inflexível, um supervisor incoerente, um gestor de visão limitada, aquele primo com o qual não falo há anos e nem me lembro mais qual foi a causa da discórdia, etc. Todos estes são (ou se tornam), em cada momento de minha vida, meus inimigos ². Simultaneamente, nenhum deles é um inimigo, de fato. O verdadeiro inimigo reside em nosso coração. Em nossa ignorância, independente de ser crônica ou momentânea. Nosso inimigo reside em nossa inclinação à criar inimigos. Não é em vão que tantos mestres religiosos insistam tanto no perdão. Não nos cabe perdoar a ofensa que recebemos. Nenhuma ofensa, injúria ou agressão deve ser perdoada. Toda a postura inadequada deve ser apresentada, discutida e transformada. Mas a ofensa e o ofensor são coisas distintas. Todo o ofensor deve ser perdoado, assim como nosso hábito de torná-lo “O Inimigo” deve ser reexaminado. Eu sei que isto não é fácil, sobretudo quando consideramos a gravidade de determinadas ofensas. Eu mesmo já exclamei, cheio de revolta e ironia, “Vai até a menina violentada e convida-a a perdoar o estuprador!”. Mas se não estivermos sinceramente dispostos a realizar este exercício, não seremos dignos daqueles que elegemos como mestres em nossas vidas. Eu com Shakyamuni, você com Jesus. Se não nos tornamos nós mesmos budas e nazarenos, jamais seremos capazes de compreender com clareza quem é o nosso verdadeiro inimigo.

Notas:
¹ Espero não precisar explicar a diferença de “de encontro a” e “ao encontro de”.
² Indico a leitura do texto "Desaforo"

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