Na semana passada, fui convidado a
escrever sobre “traição, insegurança e ciúme”. Passei os últimos dias
refletindo sobre o assunto. Como poderia discuti-lo sem desenvolver algum
discurso moralista, retrogrado e ineficiente? Agora percebo que não é possível inserir
esta pauta sem tomar uma posição: você necessariamente se inclina, seja para a
liberalidade, seja para a moralidade. Que eu emita, então, meu ponto de vista.
Que os senhores me crucifiquem em seguida!
Não creio ter muito a falar acerca da traição; interlocutores diferentes terão
opiniões diferentes sobre “motivos para trair” e “motivos para não trair”; todas elas apresentarão alguma verossimilhança, já que serão verificáveis em
casos reais de indivíduos que traíram ou deixaram de trair. Dando um passo para
trás, poderemos perceber que a traição
tem raiz em uma característica naturalmente humana. Somos todos criaturas
voltadas ao “relacionar-se”. Sejam relacionamentos afetivos, sejam sexuais,
sejam combinações destes, cada ser humano é naturalmente inclinado à busca de
parceiros compatíveis com seus anseios intelectuais e/ou fisiológicos. Faz
parte de nossa programação instintiva de “mamíferos sociáveis”. Não faz parte
do programa a Fidelidade. Temos o “Google
espiritual”, sistema de busca de indivíduos adequados para preencher nossos
círculos de relacionamento (inimigos, indiferentes, conhecidos, colegas,
amigos, confidentes, amantes, etc.). Ora, trata-se de um mecanismo PERENE de
busca. Não há qualquer linha de programação com ordem de Stop the search ¹ quando determinado resultado é obtido. Não há
moralidade em nossas programações fisiológicas; mais que isto, não há
moralidade nem nos fundamentos ancestrais de nossa estruturação social; A
moralidade é uma instituição artificial oriunda de nosso intelecto com
finalidade de refinar as interações dos grupos sociais que consolidamos. Boa?
Má? Não discutirei isto. Digo apenas, “necessária”! Quando eu era cristão, incomodava-me
o conceito de “castidade”! Ser incomodado não equivale a dizer que me opunha a
ele. Era capaz de compreendê-lo. Vejam bem: Se o mundo já é a bagunça que é com
a igreja gritando “PAREM COM ISTO! VAI DAR MERDA!”, imagina como seria se dissesse
“Vai lá! Vale tudo!”. Limites são necessários, quando não somos espiritualmente
(intelectualmente) preparados para lidar com nossas liberdades.
O ponto é que a moralidade ² esta aí,
batendo em nossa porta, gritando aos nossos ouvidos, mas não somos
programadores. Não temos meios de inseri-la na programação interna. Aí vem o
eterno conflito entre o que se quer fazer e o que se deve fazer. É aqui que a inclinação natural a novos relacionamentos,
entrando em conflito com os formatos de
relacionamentos previstos em determinadas convenções sociais, se tornando traição.
Tão artificial quanto a moralidade ³ é o
sentimento de propriedade que
vinculamos aos nossos relacionamentos. É aqui que a moralidade entra como
agente de justificação (desculpa) para o referido sentimento: “Você não tem
direito de relacionar-se com o outro, pois é errado abrir o nosso próprio
relacionamento”. Não preciso dizer que é na exacerbação deste sentimento de propriedade que nasce o ciúmes.
Puxa vida, exagerei na introdução! Pois
é, pretendia passar correndo pela traição
para me concentrar na reflexão sobre o ciúme
e a insegurança, e mesmo a introdução
já se tornou demasiada longa. Paremos por aqui; creio que os espelhos não se
quebrarão se forem guardados mais um pouco. Até semana que vem!
Continua em O outro como espelho – Conclusão
Continua em O outro como espelho – Conclusão
Notas:
¹
Não tenho domínio sólido da língua inglesa, mas acho legal quando leio os
pensadores expressando idéias curtas em inglês, francês ou latim para reforçar
o significado daquela citação em particular.
²
Repito, não me cabe discutir aqui se boa ou má.
³
Por artificial entendam simplesmente aquilo
que não trazemos de fábrica. Não pretendo de forma alguma anular a colaboração
que a moralidade tem para a manutenção saudável de nossos relacionamentos
Nenhum comentário:
Postar um comentário