Meu amor pela Filosofia
começou muito cedo, porém, não demorou muito para perceber como a filosofia
praticada na academia dista da beleza que eu encontrava nos clássicos. A
Filosofia atual parece uma casca vazia; não sei para onde o velho espírito
voou. Os filósofos são verdadeiros profissionais do “escrever bem”, mas parecem
totalmente descrentes daquilo que produzem. Lamento! O mundo ainda me fascina e
não pretendo perder de vista este veio de magia que vejo escondido em cada
esquina. Apesar do silêncio dos filósofos, a filosofia sobrevive; esta sublime
capacidade humana de intuir a verdade do mundo, algo para além do que se vê ou
se pesquisa, sobrevive disfarçada de poesia, teatro, música. Deste rico mar de sabedoria
que o espírito humano é capaz de produzir algo, por vezes, se sobressai. É o
caso da canção “Oração ao tempo” ¹, sobre a qual gostaria de dialogar.
Já
no início, estrofe e refrão se confundem; quando alinhados, uma oração
escondida se revela. O que o homem, cujo maior temor é a morte, teria para
pedir ao Tempo se a ele se dirigisse? ”Vou
te fazer um pedido: Tempo Tempo Tempo Tempo…”. Agrada-me, particularmente,
como o músico brinca com temas da vida e da arte, conectando-os e, por isto
mesmo, oferecendo ao espectador uma bela interpretação do universo metafísico: “Compositor de destinos, Tambor de todos os
ritmos, Tempo Tempo Tempo Tempo, Entro num acordo contigo…”
Na
investigação filosófica a escolha das palavras conta muito, pois é por ela que
o autor procurará apresentar sua compreensão sobre o assunto. Observem como as
palavras se alinham, demonstrando o que o Tempo É, e aquilo que apenas PARECE:
“Por seres tão inventivo, E pareceres
contínuo, Tempo Tempo Tempo Tempo, És um dos deuses mais lindos…”. A sequência
é um diálogo no qual pedido e doação se confundem; é nítida a preferência pela
significação estética. Pedir, receber e retribuir se fundem como instrumentos
diferentes criando uma viva melodia: “Que
sejas ainda mais vivo, No som do meu estribilho, Tempo Tempo Tempo Tempo, Ouve
bem o que te digo, Tempo Tempo Tempo Tempo … Peço-te o prazer legítimo, E o
movimento preciso, Tempo Tempo Tempo Tempo, Quando o tempo for propício, Tempo
Tempo Tempo Tempo … De modo que o meu espírito, Ganhe um brilho definido, Tempo
Tempo Tempo Tempo, E eu espalhe benefícios, Tempo Tempo Tempo Tempo… “
O
trabalho do artista, assim como o do professor, tem muito disto. Aquilo que se
busca para si não é para si, mas para os outros. Aquilo que se espera obter,
menos por dádiva que por esforço, obtém-se para logo em seguida doar. Por isto
mesmo toda a oração passada até aqui se fecha com este “E eu espalhe benefícios…”. O artista espalhando beleza e
significado; o professor espalhando ciência; Ainda assim nem tudo são flores,
seja na arte, seja na academia. Ao mesmo tempo em que se busca algo para
compartilhar, uma centelha de egoísmo se apresenta. Sei que não é um egoísmo
malígno. Acho que nosso espírito transplanta para o universo metafísico um
pouco daquela regra que apreendemos nas aulas de física: o atrito. Nada passa
completamente de um lado para o outro. Nenhum movimento ocorre sem que parte da
energia se perca no caminho.
No nosso espírito também
ocorre um decréscimo entre o que entra e o que sai. Um desejo de reter parte, de
compartilhar com os outros e mesmo assim manter para si algo que seja único.
Não é um comportamento bom ou mau, é apenas humano. Distribui-se muito e, ainda
assim, se busca guardar algo: “O que
usaremos pra isso, Fica guardado em sigilo, Tempo Tempo Tempo Tempo, Apenas
contigo e migo, Tempo Tempo Tempo Tempo…”. Mas há mesmo segredo? O artista está
dizendo ao tempo que guardarão mutuamente o segrego, ou está nos comunicando
que o próprio Tempo é o segredo? “O que
usaremos pra isso (…) Tempo, tempo, tempo, tempo…”
E
no fim da jornada cujo início era um pedido de mais tempo, o fim do Tempo. Aqui
fim da canção e fim da vida. Mas aquilo que poderia ser apenas fim, Morte,
converte-se em promessa; Se nossa existência é medida em tempo, morrer é sair
do Tempo, mas isto é romper para sempre com ele ou, talvez, criar a condição de
reencontrá-lo em outra forma de existência? “E quando eu tiver saído, Para fora do teu círculo, Tempo Tempo Tempo
Tempo, Não serei nem terás sido, Tempo, Tempo, Tempo, Tempo … Ainda assim acredito,
Ser possível reunirmo-nos, Tempo, Tempo, Tempo, Tempo, Num outro nível de
vínculo…”
Se for assim que começa, termina
e, sobretudo, permanece mesmo após o fim (“Ainda
assim acredito, Ser possível reunirmo-nos…”), o “pulo do gato” do autor é
perceber que a oração inicial não se desvirtua com a possibilidade de não ser
atendida. No fim, o ato de pedir é receber e a eventual recusa da dádiva é
receber mais ainda: Tempo.
“Portanto
peço-te aquilo
E te
ofereço elogios
Tempo
Tempo Tempo Tempo
Nas
rimas do meu estilo
Tempo
Tempo Tempo Tempo”
Notas:
¹
Inspirado em “Oração ao Tempo”, de Caetano Veloso (Intérprete: Maria Gadú)
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