Em agosto de 2013 -meu filho aos cinco
anos- eu escrevi o texto Torre do Tesouro
(ou "Escada para o Céu"), no qual narrava um sonho e os
conflitos que ele me trouxe, como (pseudo)filósofo e como pai. Quase dois anos
depois o sonho me alcançou de novo, mas não era possível acordar.
Neste sábado houve um encontro. Uma
festa junina particular concebida para reunir bons amigos cuja frequência das
reuniões não é assim tão boa. Em dado momento meu filho surgiu da multidão
chorando e me abraçou. Imaginei que estivesse triste por falta da minha
atenção, então fui com ele para a sala brincar. Depois de um tempo chorou de
novo, então fiquei com ele no sofá, conversando, tentando identificar o motivo
da tristeza. Ele apenas dizia que estava triste e que não queria conversar,
pois se dissesse o motivo iria ficar mais triste.
Com insistência e jeito, finalmente
consegui que se abrisse: me explicou que estava brincando, procurando um povo
de “pessoas pequenas” (muito pequenas mesmo) que supostamente morariam em baixo
da casa que estávamos visitando. Pequenos orifícios no rejunte no banheiro e um
furo (com bucha, no qual algo esteve parafusado no passado), seriam entradas
dos túneis pelos quais transitavam. Disse que brincou assim um tempo até que
foi chamado por outra criança que anunciou que era tudo imaginação¹. O grande
problema não foi o fim súbito da brincadeira, foi a reação em cadeia que veio
em seguida. Ele me perguntou se a fada do dente também era imaginação (e disto
não é difícil deduzir que em seu coraçãozinho pesava a dúvida sobre Papai Noel
e tudo o mais). Algo da inocência do meu filho estava partindo. Meu grande
temor (leia o “Torre do Tesouro”) estava se concretizando e aquele primeiro
sonho atingiu minha cabeça como um raio. Novamente vi meu filho subindo os
degraus e eu perdido, sem saber se o impedia ou o impulsionava escadaria acima.
Entre uma queixa e outra sobre o fato
das pessoas não acreditarem (em coisas mágicas) e perguntas sobre eu ainda
acreditar ou não (e eu explicando que era normal as pessoas irem deixando de
acreditar, conforme iam crescendo) ele me dá o golpe de misericórdia: “Papai,
quando é que a gente vai ver?”. Era uma pergunta simples e terrível. Há (ou
não) coisas mágicas no mundo e há pessoas que creem e outras que não. Para além
de toda descrença ele me apresentava a esperança em um momento catártico² no
qual um único deslumbre passaria à limpo uma vida, eliminaria toda a dúvida e
devolveria sua paz, inocência e esperança infantis.
Quem era eu (e lá vamos nós de novo para
os pés da Torre) para, com um único golpe cruel, anunciar àquela criança que
depositava em mim toda a sua Fé que não iriamos ver nada, nunca? Que não há
povo nos buracos da casa, nem fada nas quedas de dentes, nem coelho
transportador de chocolate, nem velhinho de vermelho no fim do ano, nem
divindades amorosas zelando por seus filhos? Nunca veríamos nada pelo simples
fato de nada haver para ver ³. Como poderia dizer que a vida é este enorme mar
de frustrações prestes a nos afogar e que quanto mais tempo você passa sobre
este mundo menos esperança tem de que seja diferente? Respondi o que estava ao
alcance de um pai que não queria destruir um coração e, ao mesmo tempo, não
podia mentir (dizendo que veríamos com certeza e/ou em breve). Disse que não
saberia se veríamos nem quando, mas que não precisávamos parar de acreditar por
este motivo. Ele adormeceu. Agora estou aqui, com o coração partido, olhando
desesperado para todos os lados em busca de um único veio de beleza e magia que
possa apresentar ao meu filho antes que o cinza do mundo real o assalte
irreversivelmente.
P.S.: Caso alguém tenha curiosidade
sobre que fim teve o Minecraft, anuncio que foi esquecido por um tempo e
retomado há alguns meses, quando finalmente comprei o jogo (até então era uma
versão de demonstração. Travava com 30 minutos de partida e não salvava o que
havia sido feito). Há algumas semanas meu filho descobriu o modo “criativo”.
Ali, vejam que coisa, seu primeiro impulso foi o de aproveitar os recursos
ilimitados (garantido pelo referido modo) para construir uma torre (agora torre
mesmo, não apenas escadaria). A Torre está tão alta que de cima não se vê mais
o solo (tudo é branco). O mais interessante é que, tendo clicado aleatoriamente
em um dos materiais disponíveis, acabou construindo boa parte da torre com
blocos de diamante. Uma Torre do Tesouro?
Notas:
¹ Certamente sem maldade, apenas como
alerta ou para evitar algum excesso (não duvido que mais cedo ou mais tarde ele
tentaria, em sua busca, cavar um buraco ou arrastar um móvel).
² Esperança que -entre uma angustia e
outra, um vazio e outro- eu mesmo devo ter em algum lugar.
³ Fique à vontade para criticar a
contradição entre este ponto e a nota 2. A experiência humana é contraditória
por definição.
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