“Bandido bom é
bandido morto!” é um dos não poucos mantras repetidos pelos grupos mais
conservadores em discussões políticas e sociológicas de botequins e mídias sociais.
O “Caso Eike” (eu devo dizer “case”, para reproduzir o ridículo anglicismo do
mundo corporativo?) deu margem para a contra argumentação “Só é bom morto se
for preto e pobre. Com branco e rico a gente tira selfie!”. Um visitante mais
assíduo (se é que existe tal pessoa) do presente espaço já deveria saber que
sou absolutamente avesso à máxima que dá nome a este texto, assim, não preciso
perder tempo discutindo-a. O que quero, agora, é me opor também à antítese.
O raciocínio aqui é
simples: a vida real é levemente mais complexa que a luta “meninos X meninas”
pretendida por machistas e feministas ou a luta “operário contra patrão”
bradada por especialistas políticos do facebook. Na análise comportamental da
resposta geral ao “caso Eike” também temos que ser capazes de transcender o
mero “rico contra pobre” ou “negro contra branco” e perceber toda a
complexidade subjetiva que atravessa o cenário. Entenda: o ser-humano é
inerentemente egoísta. Não digo isto como crítica. Ser egoísta na presente
reflexão não é pecado, é apenas uma característica. Há de se registrar também
que o egoísmo é distribuído, na forma de um “degrade”, em círculos concêntricos,
ficando cada vez mais denso até sobrar apenas o círculo do eu. Explico: Se há a
necessidade de escolher entre empurrar o carro quebrado de um morador da sua
rua e o de um estranho, você empurra o do conhecido. Se há apenas uma fatia de
pão e estão com fome o seu filho e o do vizinho, você alimenta o seu menino. Se
você está dirigindo e coloca-se em situação de colisão imediata você tira o seu
lado da rota de colisão, mesmo que isto implique em expor o lado em que está o
seu filho (ação reflexa e inconsciente, é claro). Isto é triste. É chocante.
Mas é real. Reflita e saberá que é.
Pois bem,
estabelecida a presença do egoísmo como característica inerente, devemos
concordar que tomamos nossas decisões e definimos nossos valores e opiniões
preponderantemente baseados em questões de “eu” e “meu”. Agora tomemos
novamente o “Caso Eike” e eventos semelhantes. Se você avaliar bem, notará que
não importa a catástrofe que um empresário ou político corrupto possam criar e as
milhares de pessoas que direta e indiretamente sofrem e morrem em decorrência
das ações destes caras, continua sempre possível mantê-los fora dos nossos círculos
de egoísmo. Eu não perdi nenhum parente em Mariana. É claro que a corrupção me
criou algum ônus (na verdade, MUITO ÔNUS), mas trata-se de coisa diluída no meu
dia a dia e, nesta vida de sofrimentos ininterruptos, acabo nem percebendo. “Se
há sorte, não sei, nunca vi!”. Você poderá protestar “Mas o cara amarrado no
poste também não me fez nada!”. Claro que não. Mas não foi você quem o amarrou
no poste, foi? Os diversos “eu’s” que o espancaram e amarraram o fizeram porque
este sujeito afrontou diretamente seus círculos de egoísmo, porque ele roubou o
“meu” vizinho, a “minha” irmã, a “minha” casa, a “minha” comunidade. Se o Eike
tivesse causado um único arranhão no meu filho ele estaria em estado grave
neste momento. Mas como o dano causado pelas dezenas de Eike’s que exploram
este país não é visível agredindo diretamente o meu garoto, mas sim diluem-se
na minha necessidade de pagar escola particular, não ter qualidade de vida, não
ter acesso à saúde, etc., não percebo a ofensa aos círculos de egoísmo.
Resumindo, não se
trata de amarrar e bater em um porque é negro e pobre e poupar o outro porque é
branco e rico, mas simplesmente porque eu não me senti atacado por este,
enquanto aquele me ofendeu diretamente (através dos círculos supracitados). Ao “Todos
merecem uma segunda chance” os conservadores respondem “E a segunda chance do
homem que foi assassinado?”. Aos conservadores eu pergunto “E a segunda chance
dos mortos em corredores de hospitais? DIRETAMENTE ASSASSINADOS PELOS EIKES E
CUNHAS deste país?”. Se a vítima de latrocínio for um parente (meu pai morreu com
um tiro na cabeça enquanto voltava para casa. Era taxista) desejamos todo o
tipo de sofrimento seguido de morte ao executor. Por outro lado, se não
identificarmos a vítima da corrupção como alguém com conexão direta aos nossos
círculos (minha mãe esteve duas semanas internada em hospital público ao lado
de marginais baleados e pessoas com doenças contagiosas graves. Eu assisti
pessoalmente dois óbitos enquanto a visitava) nos anestesiamos, tomamos
distância, seguramos uma xícara de café e emitimos um indiferente “Que lástima!”.
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