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Há anos ocorrem ricos diálogos sobre Civilização Humana e Filosofia, Teologia, História e Cultura em geral! Tudo que possa interessar a alguém que espera da vida um pouco mais que outra temporada de BBB! Após diversos convites a tornar públicos estes diálogos, está feito! Quem busca uma boa fonte de leitura, por favor, NÃO VISITE este site. O que esperamos, de fato, é a franca participação de todos, pois não se chama “Outros Discursos”.

quinta-feira, 9 de novembro de 2017

Mestre

"Focar no Mestre(Espiritual)em detrimento do ensino é leviano,porém,todo ensino nasce de um mestre que ultrapassou o ensino anterior.E agora?" (Via Twitter. @phdcelo em 7/11/2017). Estou na beira deste conflito, embora deva dizer que não me sinta em conflito. Acho que mais o observo que realmente faço parte dele.

A frase que abre este texto nasceu do contato que tive com certo grupo religioso e cujo comportamento me incomodou. Retive-a por alguns dias, receando que o meu próprio grupo religioso (sou budista) considerasse este relato como alguma queixa contra eles, o que seria inverdade (acho). Há de se dizer que esta frase tal qual foi publicada está amenizada, posto que quando foi engendrada condenava rispidamente o apego ao Mestre em detrimento do ensino. Acabou mostrando-se bastante salutar a retenção da frase. Permitiu-me refletir sobre a queixa e se é defensável. Não é. Ao menos não plenamente. Todo ensino tem um fundador. O tempo passa, o fundador morre (há mitologias que dizem que o seu fundador ascendeu ao céu sem morrer. Não quero debater isto), mas o ensino segue, propagado por discípulos tornados mestres. É salutar, penso, manter-se firme à ideia original do fundador. Muitas atrocidades históricas devem-se a distorções do ensino decorrentes do afastamento do ensino original (vide inquisição X um fundador totalmente comprometido com o amor, o perdão e, sobretudo, a acolhida incondicional). Por outro lado, muitos avanços decorrem justamente pela iniciativa de um mestre ou simples discípulo que rompe com o ensino original (Jesus era judeu, Sidartha era Hindu, Lutero era católico, etc.). Qual o ponto? Qual a fronteira? Qual o meio de identificar quando a distorção do suposto novo mestre é leviana (quiçá fatal) ou positivamente revolucionária?
Talvez a chave seja o espírito original? Todo ensino tem um espírito, ou melhor, um propósito. Obviamente todo ensino é (ou deve ser) profundo demais para que seu propósito possa ser definido com uma palavra ou frase curta, mas é possível pensar algumas palavras chave que podem conter em si, até certo ponto, a semente da significação mais profunda (complexa e longa) daquele ensino. Jesus realmente rompeu com o judaísmo? Não o vi (li) dizendo isto. Parece-me, entretanto, que frente a uma religião excessivamente ritualista e formalista, procurou recuperar a relação direta com Deus que parecia já não mais existir. E Sidartha? Ele nem sequer foi o primeiro Buda. A busca pela iluminação é tema recorrente do hinduísmo e todas as supostas novidades do budismo (caminho do meio, comedimento, meditação, concentração, esforço contínuo, compromisso com o dever, etc.) estão no Bhagavad Gita, texto pelo menos três mil anos mais antigo.
Penso que o diálogo (leia como quiser. Dialogue orando ou dialogue estudando. Ou ambos) sincero e direto com os fundadores seja o melhor meio para avaliar os novos mestres. Note, antes de tudo, que por mais que a posição dos mestres que citei aqui tenha culminado na fundação de novas religiões eles não eram em si fundadores. Pretendiam-se restauradores, sendo a rigidez, intolerância e incompreensão dos mestres que lhes eram contemporâneos que forçaram a ruptura, impossibilitando a restauração. Isto nos dá instrumentos para avaliar os mestres hodiernos. Há mestres restauradores e há mestres ruptores. Não se engane, estes parecem mais tradicionalistas que aqueles. Temos defensores ferrenhos de uma tradição que é em si mesma uma ruptura com o espírito original. Temos, do outro lado, críticos da tradição consolidada que nada mais são que tentativas de recuperação do caminho original, muitas vezes perdidos. Da mesma forma podemos dividir fiéis (ou discípulos) atuais. Uns se apegam cegamente aos mestres atuais, muitas vezes desprezando os textos do passado (postura que culminou no pensamento que engendrou todo este texto) e mesmo o pensamento do fundador e frente ao eventual conflito entre as orientações defendem entusiasticamente que prevalece a orientação do novo mestre. Há, por outro lado, os discípulos que respeitam os mestres atuais (não o são a toa), mas no eventual conflito alertam sobre o mesmo é buscam sua resolução do pela análise lógica e pautada no espírito original do fundador.
Você poderia protestar: "ora, seu texto é contraditório!" Não duvido. Deve ser fácil apontar exemplos contrários ao raciocínio que construí aqui. Eventuais defensores de uma tradição em aspectos nos quais ela é fiel ao ensino original assim como progressista que o fazem por motivos egoístas buscando mudanças em clara contradição com o que seria espiritualmente preferível.
Na dúvida dialogue com os mestres (repito, leia como quiser. Dialogue orando ou dialogue estudando. Ou ambos), sejam os atuais, sejam os fundadores, sejam os opositores originais dos fundadores. Apenas não se apegue cegamente a dogmas sem antes tê-los validado pela lógica e bom senso. Também não refute dogmas fingindo tê-los superado por lógica e bom senso enquanto sua única motivação era remover uma verdade inconveniente. Há certa máxima bíblica que nunca me esqueço: "a julgar pelo tempo já deveriam ser mestres!". Fuja dos mestres que pretendem consolidar-se como tal. Fuja dos discípulos mais comprometidos com a consolidação do mestre vigente que com a própria emancipação. Seja um mestre. Produza mestres.

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