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sábado, 10 de fevereiro de 2018

Pureza

Este texto poderia se chamar "Inferno 2" (Leia Inferno), pois deriva e está diretamente conectado ao texto anterior, porém, preferi dar ênfase aquilo que ele busca discutir.

Assim como o inferno, Pureza e Santidade são temas centrais em grande parte das religiões, mesmo quando não apresentados com estes nomes (não vejo grande diferença entre a busca cristã pela santidade [raríssima hoje em dia] e a busca budista pela iluminação, por exemplo). Do mesmo modo que o inferno, são apresentadas (e estimuladas, para não dizer impostas) de forma equivocada. Eu já propus não haver um agente avaliando nossas condutas e por elas nos promovendo ao céu/iluminação (ao contrário de seu predecessor, este texto é intrinsecamente metafísico) ou nos condenando ao inferno. A nossa aproximação ou afastamento do céu/iluminação depende diretamente de nossas atividades mentais, verbais e práticas (carma). Pense em termos de frequência de rádio; não é possível ouvir uma canção na 89fm com o rádio sintonizado na 106.3. Não é possível ouvir a voz de Deus ou conhecer aquilo que só pode ser conhecido e partilhado entre budas (Sutra do Lótus) com nossa mente sintonizada no Big Brother Brasil. Quando falamos de Inferno em sentido amplo (mais intelectual que espiritual), a plenitude dependia da melhor adequação entre a vida prática do indivíduo e seu sistema interno de valores, não importava qual fosse o conteúdo do sistema. Agora que estamos discutindo dentro da hipótese puramente metafísica o conteúdo do sistema de valores é capital. Cuide, porém, para não ler este comentário crendo que eu me contradisse e, em looping verborrágico, restaurei a divindade julgadora impondo-nos aquilo que ela quer que façamos (sabe-se lá porquê) e castigando-nos pelas demais atividades. As religiões explicam mal as razões de seus sistemas de valores e com isso criam confusão e frustração em seus fiéis, pecado e hipocrisia em seus líderes (que cobram as práticas mas nem mesmo eles sabem corretamente o motivo, logo, nem eles as abraçam completamente), revolta e evasão. Os sistemas de valores mais profundos das religiões (importante falar assim para não confundir com os sistemas completos de cada religião, os quais consistem em cascas grossas e inúteis que em nada auxiliam na relação direta com a divindade ou obtenção concreta da iluminação. Deus/EstadoDeBuda são sementes minúsculas encravadas no interior dessas cascas nada divinas/búdicas) são quase sempre consistentes entre si (são raros os pontos em que um sistema entra em conflito com o outro), concordando que a melhor forma de vida é em pureza, busca pela santidade (mais pureza), temperança, tolerância, etc. Não são valores escolhidos por líderes religiosos, tampouco imposições de uma divindade só porque ela curte isso ("é assim porque Deus quer!"). Também seria extremamente inocente acreditar que é algum tipo de voz ancestral se manifestando pelo senso comum e desaguando em todas as religiões. Não existe senso comum puro. Nosso senso comum parece convergir com as bases cristãs simplesmente porque cada um de nós nasce e cresce em uma base cristã, mesmo que não abracemos a crença. Visite uma cultura totalmente diversa da cristã e "voilà", encontrará um senso comum local propondo formas de viver e de ver a vida bem diferentes daquelas que o seu "brilhante" senso comum pátrio indicava. O senso comum não é referência, pois não é universal.
Mas como ficam os valores centrais propostos pelas religiões, principalmente aqueles sobre os quais a maior parte delas concorda, notadamente a pureza? Agostinho (santo e doutor para os católicos, referência conceitual para protestantes, dono de cursos inteiros dentro dos currículos até mesmo das graduações em Filosofia mais céticas) dá uma dica importante quando diz que até a curiosidade é pecado. Para ele (não para mim. Estou explicando, não defendendo) a curiosidade faz perder com banalidades o tempo que deveria ser investido mergulhando nas coisas de Deus. Como tenho curiosidade sobre tudo, inclusive sobre as coisas de Deus, não posso ser tão cruel com a curiosidade, mas a avaliação do Doutor Santo é coerente. As atividades "impuras" talvez não sejam em si negativas (se eu fosse um Deus, que relevância teria o ato momentâneo de um ser minúsculo frente à eternidade e imensidão do tempo e do espaço???), mas sem dúvida são distrações, atrasos no processo de santificação/iluminação do indivíduo. O inferno, portanto, corresponde ao afastamento que realizamos em relação à divindade ou iluminação (tal qual sugerido no texto anterior), não da divindade ou iluminação em relação a nós, acrescido do atraso em contornar este cenário, dado nosso mergulho alucinado e irracional (praticamente babando) nestas distrações. Certa vez propus que a busca de iluminação já era estar iluminado. Creio que esta lógica também se aplica aqui, o tal "pecado" não leva ao inferno, ele é o próprio inferno.
A Pureza, portanto, não é uma exigência cega de uma divindade egoísta, é uma ferramenta que possibilita, ao seu usuário, a reprogramação de suas inclinações, reduzindo (no limite, eliminando) as atividades que afastam e adiam o encontro com a divindade ou a obtenção da iluminação.

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